19/06/2008

Monstros

É muito mais fácil ser um monstro do que se imagina. No Holocausto da II Guerra, por exemplo, bastou não ver mais os judeus como humanos, coisificá-los como gado ou insetos, daí as atrocidades deixam de ser um problema para a consciência. Faz-se isto a todo o tempo, basta olhar como se esmagam homens feito moscas, mas o que chamamos monstros são aqueles fora de contexto, aqueles que não aceitamos, como Hitler na política internacional, patricidas e matadores de filhos na família urbana moderna, torturadores fora do extremo da guerra, etc. Basta lembrar que Alexandre queimou cidades inteiras, os avós de muitos nobres europeus mataram familiares e nós mesmos aceitamos a tortura conforme a vítima, tudo justificado pelos contextos. Mas o processo emocional de coisificação do homem, que liberta as nossas consciências, é o mesmo e os contextos são filhos do poder e do acaso. O monstro é aquele que se destaca das circunstâncias ou o que perde no jogo de forças. Ao odiarmos um monstro estamos olhando fundo nos olhos do espelho, por isso a caça às bruxas é a monstruosidade nos calabouços da alma espreitando a liberdade.

Reconversões

A mais vísível ruga da velhice são as reconversões de meia-idade. Quando a morte aproxima-se (é inevitável não vê-la com o passar dos anos) os recém-velhos querem apaziguar-se com a vida, retomam valores de unidade divina, reconvertem-se ao mundo de paz e conforto das religiões da sua infância – voltam às igrejas, abandonam suas idéias mais radicais, refastelam-se no sofá dos cabelos brancos, ou seja, redimem-se da própria vida. Nada mais odioso que negar o poder da juventude pela força do medo. Esta é a verdadeira velhice.

Uma Farsa: a Civilização

O espanto com os instrumentos que os europeus passaram a fazer depois do Renascimento, e com as façanhas que eles permitiam, foi tão grande que começaram a confundir a ferramenta com o homem, daí veio a mentira do progresso: homem e cultura se aperfeiçoam como engrenagens – a civilização. E nada melhor que o ideal platônico de perfeição para casar com o fim desta “evolução humana”: caminho e destino. Kant, Hegel, Marx, Gramsci, Habermmas, são filhos deste espanto – finalmente puderam descer o caminho da salvação do céu medieval para a terra renascida. Mas tudo é um grande engano, progresso é a salvação monoteísta palatável para o homem moderno. Na natureza não há perfeição nem planejamento – se os dados são viciados é obra dos acasos. E a nós, que somos um acaso, cabe escolher o caminho e o destino.

Excluídos

Aqueles a quem chamamos excluídos não o são. Todo um sistema social com suas estruturas burocráticas, uma cultura própria, linguagem e muitos milhões cercam os excluídos. Eles são sim incluídos em uma economia particular de subalternos. Basta olhar as favelas rodeadas de funcionários de repressão, assistência, controle, o comércio, a dinâmica de uma pequena cidade. Quanto não circula por lá? Pode-se sim estar insatisfeito com a condição de subalterno, e isso é uma faceta do discurso da exclusão, a outra é o interesse na manutenção desta economia assistencial-repressiva. Sem querer o excluído, ao dizê-lo, mantêm-se onde está.

Das penas

Como ainda vivemos na época da superprodução, as penalidades dizem querer consertar o criminoso, readaptá-lo ao funcionamento normal da máquina social, o que não é nenhuma novidade, leia-se: Foucault. Mas o que a bondade cristã da nossa moral, velada na filosofia de hoje, não nos deixa enxergar é que extravasar o sentimento de vingança é prova e reafirmação dos valores que defendemos. A pena não é mais que uma tortura para o criminoso, enquanto é nossa rejubilação moral. A pergunta correta seria: que tipos de sofrimentos queremos impingir? O homem bondoso esconde esta verdade detrás de argumentos que ele crê puramente racionais enquanto a própria razão é sua venda.

02/05/2008

Violências

O Estado é a difusão da culpa daquilo que não teríamos coragem de fazer se ela recaísse só sobre nossos ombros e, nesse sentido, o cidadão é um fraco, incapaz de carregar seus próprios valores. O Estado veio ocupar o lugar de Jesus na cruz e, nesse sentido, nada mais descartável no cristianismo que o próprio Cristo: sua força vem de valores que sobrevivem a ambos.

Vírus das Idéias

Dizem que a falta de cerimônias, corte, festas e etiqueta ajudaram a derrubar a monarquia no Brasil - Pedro II teria perdido a legitimidade. Isso não foi causa, foi efeito de uma mentalidade que já não via naquele sistema um espelho. Nossa monarquia mais parecia um presidencialismo perpétuo, o próprio monarca via-se como homem público. A cultura messiânica, uma das resistências do regime antigo, migrou para outros líderes. Conclusão: as mudanças nascem muito antes de acontecerem e brotam das cabeças contagiando como um vírus – não é à toa que em menos de um século caíram os principais monarcas do mundo.

Responsabilidades

Zola criou o trem correndo desvairado sem maquinista cheio de soldados ébrios para mostrar o espanto que sentimos em um mundo onde a responsabilidade se difunde nas coisas: no mercado, no Estado, em Deus. Isso não é novo, é filho da Idade Média e sua abstração divinizada da vida – os homens da antiguidade bem apontavam a responsabilidade noutros homem, mesmo que divinizados. A novidade dessa estranheza é que nossos dedos começam a descer e apontar para iguais.

Rédeas Soltas

Dirigir o querer pelo fundamento é tomar o motivo pelo efeito, já que nenhuma moral tem fundamento algum senão as criações mitológicas da razão. A grande pergunta é: o que queremos? As razões vêm depois. O grande desafio é: como controlar o que queremos?

Estupidez

O medo da morte, de sucumbir os valores fundamentais e enfrentar a total liberdade em nossas vidas é a verdadeira prisão da humanidade, ele nos traz os dogmas e conflitos estéreis – as grades do espírito são invisíveis. Resumir tudo a uma palavra é estupidez, mas eu não tenho medo de ser estúpido quando necessário. O homem superior é, essencialmente, um corajoso.

Idiotices

Países, pessoas, ideologias, conceitos são só receptáculos para o fluxo mais profundo do rio de experiência, sensações e instintos. Por isso as idolatrias, os nacionalismos, a xenofilia e fobia, além da fé, são idiotices de cegos.

Operários e Artistas

Há dois tipos de intelectuais: os criadores, que fagulham e os operários, que cultivam o fogo. E uma fagulha pode gerar um enorme incêndio...

O Cárcere de Nietzsche

Se a filosofia de Nietzsche influenciou sua loucura foi porque ele não soube tirar a máscara de pensador, daí sua solidão, até que a doença a arrancou. Arraigado ao séc. XIX, a superconcentração (a antiepopéia) o fez viver o amor romântico inatingível em Salomé. Fosse mais Ulisses, ele teria se libertado mais do seu tempo e, talvez, tivesse vivido melhor.
Mas o quanto conseguimos não ser filhos de nosso tempo?

Sistemas

Sistemas são ótimos quando queremos repetição. Para encontrar o novo, livre-se deles.

Pastores e Lobos

Espírito livre – Os monoteístas nunca pedem como recompensa das promessas que eles sejam felizes.

Pastor – Claro, nós cristãos já somos felizes!

Espírito Livre – Então, se vocês já são felizes, por que precisam da fé?

Pastor – Porque é ela que nos faz assim.

Espírito livre – Pergunte a um drogado antes da decadência, quando ele ainda está bem com a droga, pelo que ele espera todos os dias, o que o move, o que o deixa feliz. Evidente, ele te dirá: a droga.

13/04/2008

Matar

Não matarás. Deveriam dizer: não matarás seu semelhante. Não é só nosso parente simiesco que assassina os seus, essa ordem parece ser uma antilei, basta olhar ao redor. Mas mesmo os que se acreditam acima desta realidade são complacentes com a morte, afinal, o que fazemos para terminá-la? O sossego é o seu colchão, e nosso sono não é só comprado pela promessa de uma vida tranqüila e confortável, mas pela retirada da empatia com os que morrem porque, na verdade, quando vemos a morte de um igual, estamos olhando no espelho. Esse é um instinto primordial e a solidariedade seu embuste.

Bondade

Nos fracos, a bondade nasce do medo da punição paterna, é transferida para um Deus que depois é esquecido, mas o hábito persiste e a bondade vira dever. Isso tem mais a ver com um alívio das injustiças que faz sentir bem, como se o bondoso compensasse aquilo que sente não ser correto, fosse a voz unificadora de valores universais. Por isso, deveríamos chamá-la beindade - o bom é outra coisa.

Religiões

Religiões não são problema, a fé nelas é. Quem crê em uma essência da verdade, perde a verdade dos fluxos, da mutação. Para atingir o inalcançável, precisamos de ritos, mas depositar neles o espírito do que não alcançamos é tomar a fantasia pelo folião – e dizem-se algumas verdades pelos embustes. Deixar-se fluir pelos mitos, usá-los a favor de si em vez de ajoelhar-se a eles, é sim tarefa de Deuses.

Por que precisamos dos amuletos? Talvez porque nossa sede de conhecer seja tão grande que não aceitamos o que não entendemos. Rejeitá-los ou internalizá-los é curvar-se à ignorância e é exatamente isso, o cárcere do símbolo, que chamam de fé.

Promessas e Outras Oferendas

1

Dar oferendas a divindades é o espelho do que somos. Comidas e animais são o que sustentam a vida, fazem-nos felizes – combustível de nossa força. O que os monoteístas costumam oferecer a seu Deus? O que lhe prometem? Quase sempre um sofrimento: desgaste físico, privação do desejo, etc. Sofrer é a estrada para o divino no monoteísmo hebraico. O pior é ver isso perpetuar, sob um véu sofisticado, no pensamento enfadonho de Kant e Habermmas, na leitura cansativa da intelectualidade, no hermetismo anestésico das artes, como se para alcançar essas verdades tivéssemos que oferecer nossa paciência. As verdades que quero são alegres, impactantes, fortes e esguias, por isso ofereço comida e sangue.

2

Cristão, o que você prometeu para conseguir esta graça?
Uma peregrinação.
Subir as escadas de joelhos.
Acender três velas na igreja.
Celibato.
Minha prótese.
Uma doação.
Alguém já viu um cristão prometer que vai ser feliz?

3

Oferendas e promessas têm estrita relação com a tentativa de controlar causa e efeito. Como percebemos que para ter comida, bens, emprego temos que oferecer nossa dedicação, nosso tempo, às vezes sacrifícios, fazemos o mesmo para obter algo dos deuses, esperando que este esforço seja recompensado pelos céus. Oferecemos o que vivemos para conseguir as coisas. Como vê a vida aquele que oferece sofrimento?

Música e Letra

Nem na ópera italiana nem no jazz americano. A comunhão mais sublime de poesia e melodia só aconteceu no Brasil e, possivelmente, na Grécia de Homero.

Máquinas

A antiguidade conhecia a força do vapor, mas nunca atingiu a máquina. Ela é fruto do preciosismo técnico do pensamento de Aristóteles, que germinou no cuidado teológico medieval de minuciar dogmas. A cultura dessas minúcias por séculos legou-nos a tecnologia que temos, filha de uma ciência refinada nos detalhes. O homem da antiguidade estava mais preocupado com os efeitos gerais, as conseqüências, a multiplicidade, o rompante criador, por isso a maestria plástica era exceção à técnica rústica. Ele jamais detalharia uma ciência no nível necessário para produzir uma tecnologia avançada. Devemos nossas máquinas ao solo fértil do cristianismo medieval.
Nietzsche já disse isso, mas ele não falou que o espanto deste desenvolvimento, a maquinação da vida, tirariam nossos olhos do todo - estamos demasiado concentrados, especializados, olhando detalhes. Bom e ruim, o importante é que o cristianismo colabora com seu fim: busca o todo pelo foco no mínimo. Ele nunca chegará, mas não é essa a ideologia cristã, nunca chegar? Talvez percamos essa habilidade de foco um dia, e nossa tecnologia caminhará a passos de tartaruga, mas talvez aí sejamos menos fragmentados, mais completos, felizes. Não são as máquinas que nos fazem assim, elas são o efeito disto.

Quixote e a Odisséia

Ulisses tinha toda uma tripulação e foi perdendo-a pela jornada. Dom Quixote só tinha Sancho, e foi ele mesmo que morreu ao final. Do múltiplo ao dual, da individualização à perda de si, o contraste dos personagens é, na verdade, o contraste de eras. Cervantes está mais próximo de Sófocles que Homero – os gregos são uma metonímia.

Memória I

Saber esquecer é uma das maiores virtudes:

1) Nostalgia é uma forma romântica de abdicar da vida para enclausurar-se no monastério da memória. A vida é agora!

2) Quantos conflitos não cessariam se os povos conseguissem esquecer o passado?

3) A melhor solução para um problema insolúvel é esquecer tudo. Daí surge a solução, o problema some ou ambos.

Memória II

Dizem que alguns povos não têm memória, como o brasileiro - isso é uma mentira. A memória guarda o arrepio, o medo, a alegria, o contraste do sentimento – talvez isso tenha sido uma vantagem evolucionária. O cotidiano blazé, a repetição, o costume são descartados sem solenidade. O esquecimento está no que aceitamos como normal. Nenhum povo pode reclamar de esquecer-se dos seus crimes, porque, se os esquecemos, eles não são verdadeiramente crimes. O problema não é o que reclamamos esquecer, mas sim o reclamar.

Fidalguias

Anteontem o grande Portugal, ontem o gigante adormecido, hoje o país do futuro, amanhã será hoje e ontem: nossa cultura é a do eterno vir a ser. O que temos (o Estado burocrático, território, o povo) são presentes ou maldições de estrangeiros – somos a essência messiânica, esperamos a redenção em vez de caçá-la. Isso se perpetua no hábito do reclamar estéril, típico de nosso povo, ou da adaptação extrema: o melhor e o pior do Brasil.

Americanizações

Vivem reclamando das americanizações da língua. “Americanização” é só um rótulo para insatisfação - primeiro porque ninguém reclama de falarmos fechecler ou reveillon, segundo porque só Policarpo Quaresma foi fundo nas suas razões, e ele terminou sem ela. Nada que enriquece deve ser repelido só porque vem de fora, e o pior é ver o que empobrece sob um véu nacionalista, foi o que fizeram com o racismo: o nosso é tão diferente do americano quanto nossa escravidão foi diferente da das plantations, mas ainda insistem em importá-lo com suas soluções. Olhe para a sociedade no seu extremo, as prisões: lá, as gangues são de negros, brancos e latinos, aqui é assim?
O próprio nome racismo não serve para essa parte odiosa em nós. Aqui, a “raça” é espelho da fidalguia. Isto é evidente e implícito no pensamento geral, mas não estão preparados para ouvir esta verdade e querem queimar-me na fogueira com capuzes brancos.

Sintomas

Como as inquisições foram mais tenebrosas depois do Renascimento, os últimos suspiros são sempre mais profundos. Se vir extremistas brotando de cada poro, suspeite. Muita perseguição, rompantes violentos são a reação intensa do moribundo – sinais da decadência, adubo e solo fértil para a mudança.

História Revisionista

A História é só presente e toda ela é revisionista – nunca se falará do passado e do futuro com o pensamento neles – somos prisioneiros do tempo. Quem joga esse nome sobre uma releitura quer rejeitar um novo ponto de vista – a voz do dogmático. Não há nada mais anticientífico, mas a história não costuma ser ciência.

Verdades Camufladas

Joseph Campbell dizia: find your bliss! Grande profeta, ele colocou nosso amuleto da felicidade na procura, quando, na verdade, desvelar e construir são complementos, mas somos imaturos demais para acreditar em nós mesmos.

18/03/2008

Amor à Humanidade

O amor pelo humano é um dos mais altos sentimentos que podemos ter. Quem ama procura as causas não por curiosidade, mas por estratégia, para construir um futuro ao lado do amado. Nas causas, dão um sentido ao amor, um fim (enxergamos sob o véu do efeito e da causa temporal), e é nele que está o amanhã. Quando namorados perguntam do que o outro gosta, estão, na verdade, despontando suas auroras. Dar amor é dar sentido, e sentidos dão-se para si, por si, de si e em si, ao lado do outro.

Na compaixão, queremos consoar sentimentos numa só melodia. Buscamos a referência para os nossos no sentir do outro, e é ele que dá o sentido, a causa, enquanto o compaixonado tenta encaixar um fim a essa obra alheia e inacabada. A compaixão não cria, repete, não inventa, adapta.
Se vocês insistirem em procurar opostos nesta visão dual de mundo, nesta linha temporal contínua, que achem o inverso do amor na compaixão, não no ódio, que é seu irmão.

Ódio à Humanidade

O ódio repele, espeta a presença do outro, mas isso é só uma farsa. Afastar-se, quando conscientes disso, é preservar, é procurar um sentido para manter o outro em nossos pensamentos. Inconscientes, deixamos o vento do tempo levá-lo. Ódio é consciência da imposição de si sobre o alheio, afirmação do eu, contraste radical ao outro. Ele pode intoxicar, mas é o homem que faz das drogas, remédios.

Odiar o humano com sabedoria pode ser o remédio de nosso amor – só o espírito jovem, imaturo abraça as causas pela explosão em lugar do sentido. Saber odiar, combater, destruir é também processo de construção, e é no amor que plantamos o futuro, no sentido do afeto pelo outro que erguemos auroras.

O ódio é o irmão furioso do amor, mas cuidado, ele embriaga muito fácil longe do seu fraterno pacificador.

Abraão

Aquele que abandona sua convicção emocional para escolher outro caminho com sua razão é um mentiroso de si mesmo. Suas emoções mandam ele apegar-se à fé da sua razão tão fortemente que ele cria uma convicção emocional, ou aproveita uma já latente, para sacrificar como prova de sua fé, como um Abraão da razão.

Felicidade

Às vezes evitamos a felicidade, como se ela quisesse sair, mas nossa razão a segura bem presa dentro do espírito com medo de que, caso as coisas dêem errado, nos decepcionemos, como se ser menos feliz diminuísse a tristeza – a isso muitos chamam prudência. Os estóicos eram medrosos, e o medo é uma das maiores causas de infelicidade.

Ontologia

A ontologia é uma ilusão criada porque quando pensamos ninguém nos observa – estendemos essa solidão às coisas sem perceber que pensá-las já é jogar-lhes um mundo sobre as costas.

Ciências Humanas

Que as humanidades queiram ser chamadas de ciências porque ela virou sinônimo de verdade, e verdade é poder, não é novidade para ninguém. Agora, o que isso esconde, a inexorável prisão à fé e às emoções, sob o vestido de seda do dogma, também é evidente, mas todos preferem não ver com medo de cair no vazio da falta de razão.

Traduções

Não existem traduções, só aproximações. Cada pessoa fala uma língua própria, cada palavra é um universo tão diferente quão diversos são os falantes. Se os universos são próximos, elas falam o que se chama de mesma língua. Distanciando-se vêm os sotaques até chegar ao estrangeiro: total incompreensão. Traduzir é recriar. O bom tradutor é, essencialmente, um excelente autor.

Radicais

Vegetarianos, capitalistas, fascistas, ecologistas, esquerdistas são religiões na sua forma mais radical. Na ciência - o discurso da verdade nos dias de hoje – eles procuram esconder sua fé dos outros e, principalmente, deles mesmos, já que estão descrentes dela. Os dogmáticos, aqueles que não aceitam a mudança, o fluxo de novas idéias, são anti-científicos, e pode incluir aí boa parte dos cientistas. Lutar por um ponto de vista é nobre, deixar-se cegar por ele é idiotice.
Radical é quem fica preso à raiz e não se deixa alcançar a copa.

Microscópios e Lunetas

Quem vê um homem, não enxerga as moléculas que ele é, e quem as vê, não percebe que da sua interação brota o ser. Tudo é uma questão de afastar-se ou aproximar-se – pode-se encontrar incontáveis igualdades ou radicais diferenças. O problema está em usar a mesma lente para todos os pontos de vista – o que se tentou fazer por muito tempo e finalmente está sendo abandonado. O dualismo, as igualdades, padrões e a lógica são filhos do afastamento e as singularidades e idiossincrasias, dos microscópios.

O Erro de Platão

Tudo surge primeiro na mente para depois aparecer no mundo que vemos. Um índio nativo riria do mercado financeiro como nós rimos quando eles queriam trocar um canhão por um papagaio. Talvez, percebendo isso, Platão tenha achado que a verdade vem do pensar, e o que vemos são sombras dele, mas ele escorregou na poça da criação – esqueceu que somos nós que fazemos nossos óculos, e não tem um que sirva para todos.

Máscaras

Não é difícil traçar dois homens no homem: o caçador e o agricultor. O neolítico passou pela fase da caça, mas, num certo momento, o impulso sedentário prevaleceu e criamos meios para a imobilidade, assim, construímos nossa oikos, nossa casa. Não conseguimos exterminar o caçador e, às vezes, ele emerge em guerras, no desejo pela morte, sofrimento, ou na luta contra as leis naturais. Ficamos fascinados quando vemos uma máscara isolada, como o Buda-agricultor ou o herói-caçador, porque eles são exatamente aquilo que não somos – a unidade. A história da humanidade é o balanço destas duas faces, pendendo mais para uma ou outra conforme o momento. As melhores eras são quando damos às duas espaço para viverem seu máximo. Hoje, falta-nos o caçador, mas seu impulso é irrefreável e acaba implodindo.

Impressões

No Brasil, as coisas funcionam quando não funcionam.

Vontades

Formigas tentam dominar seus metros quadrados de terra. Macacos já dominam seu território, por isso tentam controlar sua comunidade com guerras, assassinatos e artimanhas. Nós expandimos nosso chão, politizamos nossos domínios, somos parte desta natureza, porém profundamente mais complexa – isso é verdade, mas não é toda ela. A expansão para dentro e para fora só é mais complexa porque há algo além em nós – a busca pela submissão é mais vontade de expansão que prisão a nossa vontade. Expandir já deve ter sido uma vantagem evolucionária, hoje é nosso destino auto-proclamado que, em milhões de anos, quando a Terra for engolida pelo tempo cósmico, será novamente vantagem evolucionária, mas desta vez por vontade nossa.

Etiquetas

Tudo está pop. Michelangelo, Renoir, Warhol e Dali precisam de marketing para vender, para continuar a existir. As pessoas também são etiquetáveis: quem assiste a um filme cult ou pipoca compra e veste a embalagem da obra, não seu conteúdo – poucos são os filmes que valem a pena nos dois lados. Mas quem enxerga com dois olhos? Capas são os muros das verdades e as vestimos com prazer. Como as coisas, cremos que precisamos delas para existir – ilusão, fizemos delas as próprias coisas.

Dialogando com Friedrich

Para a pessoa única, singular, as pessoas comuns são seu fim, mas também seu meio. Pois, com o tempo, o inovador faz-se comum, e abre as portas para o novo de novo. Mas você, um século depois, ainda não chegou ao hoje.

Cárcere de Spinoza

I

Que pena, Spinoza estava preso ao séc. XVII! A expansão do corpo, da vida não está num Deus único, em uma natureza, ela é o panteão da diversidade, das máscaras por onde vemos e somos vistos do outro lado do espelho. Ele espiou esta verdade, mas a vontade de fazer a música da vida vibrar em harmonia encarcerou aquela bela alma no seu tempo.

II
Para os filósofos de hoje, a metafísica é uma gíria para afastar quem não é da tribo. Se vêem nela um caminho para construir verdades, eu desvelo esse estrangeirismo com o dicionário das crenças - seus livros parecem mais tabulas de orações. São eles que crucificam a transcendência, quando não percebem, e encobrem, que tentam alcançá-la por essa língua. Nesse ponto, Spinoza foi um precoce, por isso ele está tão na moda. Não há problema nenhum em transcender, isso é nosso desejo de superar o agora, só não podemos cair no abismo da fé nem na mentira do cético - de resto, vale a tentativa - foi aí que Demócrito venceu, mas, conforme as coisas caminhem, um dia ele perderá.

Raças

A mentira do sangue é cria moderna. Não precisamos de genética para saber que espanhóis são godos do oriente próximo misturados a celtas hibéricos. Ingleses são gauleses cruzados a vikings-normandos. A idéia de raça é o discurso da diferenciação do outro, da territorialização, da igualdade dentro do grupo: hegemonia sobre pessoas e terras, ou seja, a voz do Estado. Não é à toa que o fascismo reergueu essa farsa. Junto com os Estados modernos, as raças estão condenadas a minguar no mesticismo do fluxo, e isso não é só idéia dos geneticistas.

01/03/2008

Etiqueta e Superstição

Etiqueta é o requinte da superstição. A crendice é o desejo de controlar o inalcançável, vontade de manipulação da causa e efeito – quando a criança descobre a relação do tempo e, adulta, incorpora a brincadeira ao hábito sob o véu religioso. Etiqueta é a tentativa de controle das relações sociais, linguagem subentendida da diferenciação e igualdade: estratificação. Quando a criança apreende sua classe, logo adota sua língua. Superstição quer controlar o tempo, etiqueta, o lugar. Boas maneiras (o mínimo convívio), todos sabem o que são tanto com homens como com deuses. O homem superior flui pelas duas, sem acreditar nelas, ao bel prazer das suas vontades - ele sabe que elas são tão verdadeiras quanto suas fés, só desvelam o desejo pelo poder.

Sobre-viver ou por que nos tornamos tão conformados? Ou a antiepopéia...

Viver é experimentar, sentir. A vida moderna é virtual, como virtuais são suas máquinas, suas riquezas. Destronar o tempo é o impulso que nos faz recriá-la, nos sentirmos vivos. É vivendo que morremos em cada ato de vida - ao sabê-lo único, ao querê-lo novamente sabendo impossível, ver um destino sempre além, ao viver as horas.

Hoje, tiramos a morte da vida. Arrancamos cirurgicamente a experiência do tempo e seu fim. O sobre-trabalho, a superespecialização, o sobre-consumo, o supermodelo do corpo – a economia dos excessos são nossa anestesia para não sentir o tilintar do tempo. Sobre-vivemos.

Excessos em economia, reservas inúteis, as poupanças são a gordura da alma. Por isso a nossa pesa, é lenta, preguiçosa. Poucas são as almas enxutas.

Deuses são imortais. Pergunte a um economista como ele calcula investimentos - jogando risco e retorno no infinito. Ele finge que a história não segue caminhos tortuosos? Não. Ele colocou seu Deus na poupança virtual das finanças – as religiões são anti-históricas.

É na imortalidade, transbordando tempo, que ficamos antinaturais, rígidos. Por isso sempre se levou tão a sério a religião: Sócrates, Jesus ou a Economia.

Nos acúmulos inúteis, diga-se, naqueles que não sentimos, não experimentamos (só poupamos), é que a vida congela-se na imortalidade. Nossos deuses são o que poupamos - poupar é evitar. Por isso as religiões são tão comedidas, elas evitam a vida. Recriamos a farsa do pós-mundo fingindo para nós mesmos que vivemos em excesso, quando, na verdade, nossa imortalidade está no acumular.

Só viver não é mais o nosso fardo, aquilo que se deve poupar, carregar (a cruz, o corpo, as ilusões). Agora, ele se faz por todo o resto. Carregamos o peso da vida eletrônica, coisificada, nossas posses, nossas aventuras higienizadas – somos a antiepopéia que, aliás, não se vê mais por aí. Daí o fascínio, o horror e a estranheza às atrocidades que provocamos.
Perdemos a vida no suicídio da imortalidade, mas não cremos mais em céus, e começamos a perder a fé nas coisas.

Impostos

Bandeiras e fidalgos impuseram a ordem do Estado lusitano aos nativos. Três séculos depois, a corte portuguesa aos brasileiros, nós, que nunca lutamos por um. O Estado aqui é imposto como o voto, como o horário eleitoral. Democracia imposta não é uma contradição?

O.N.U

A O.N.U é o espelho da Liga das Nações: rígida, legal, estratificada. O que mais parece com as duas? Desde a Revolução Francesa, a curva de poder do Estado declina – a força fragmenta-se em núcleos menores e esparsos. Cada vez mais, o central cederá ao local, as nações frágeis se dividirão, basta olhar o Mapa Mundi. Somente a negociação, o equilíbrio delicado de forças em cada momento, a política do agora manterá os laços entre os povos – o mesmo fluxo que destrói a centralização estatal é o que permite este balanço de poder. No futuro, uma nova organização, mesmo que homonímia, absorverá o ideal da fluidez do poder, de riquezas e do saber. Olhará a realidade, não estatutos legais, será contraditória ao sabor do momento, cega e forte quando preciso. Ela sobreviverá aos séculos futuros. Pena não estarmos preparados para ela ainda.
Não é à toa que o Brasil faz tanta questão de entrar no Conselho de Segurança.

Arte Superior

Toda arte tem identificação. Quem vê, sente, experimenta nela um mundo particular. Mas a arte é plural, como plurais são os mundos.

No teatro e na literatura, a identificação é com o texto, a história, e não a cena. No cinema, conseguimos imergir na realidade daquele mundo como na música e na plástica. Não há arte superior, só sensações diferentes.

22/02/2008

Escravidão I

O pensamento simplista do séc XIX via a escravidão como uma via de mão única: oprimido e opressor – a dialética pseudocientífica. A escravidão não vem só do senhor, e a forma mais eficiente de escravizar não é cansar o escravo até a rendição, mas fazê-lo acreditar que é livre - não se esgotam suas forças, mas as direciona para a escravidão. Onde o espírito não aceita ser escravo, brota a revolta ou o banzo, e o sistema rui na impossibilidade. Os Malês também incorporavam no seu espírito a escravidão – só queriam mudar de lado, os outros africanos a tinham na sua cultura – só mudaram de lado, as tribos indígenas em nenhuma América foram passíveis de escravização, já as sociedades indígenas escravocratas...

Somos escravos do sistema trabalha-consome? Sua vida transforma-se profundamente se você mudar de candidato? Que opção realmente você tem, senão escolher qual trabalho e o que consumir? O problema não é nenhuma escravidão, mas a liberdade que começa a desbotar muito mais intensa em algumas mentes futuras. O que é escravidão senão a perda daquilo que se pensa ser liberdade, e a liberdade senão aquilo que se pensa sê-lo? Muitos açoites fizeram-se sobre homens livres, e bastantes salários são pagos a escravos. A fronteira do ser livre à escravidão é o instante em que as forças do senhor não satisfazem mais a sensação mínima de liberdade do escravo, e essa fronteira é tão elástica quanto flexível for o homem. Neste ponto, os militares, presos às regras rígidas, costumam ser muito mais livres que nós. Mas nós, os precoces, não queremos fardas e, para dizer a verdade, nem ternos.

Escravidão II

Os EUA não perderam uma batalha no Vietnam, mas perderam a guerra, por quê? Os Vietnamitas tomaram verdadeiramente uma decisão: seriam livres dos EUA. Presos ao estadismo socialistas, eles se sentiam muito mais livres, e não houve poder bélico capaz de impor-se contra o gotejar de uma decisão persistente – isso prova que não existe escravidão de mão-única. Aliás, isso mostra que a escravidão só existe quando em vias de acabar.

10/02/2008

O Beija-Flor e o Fogo

Betinho contava uma história: Um dia, pegou fogo na floresta. Os animais correram em fuga, então, o leão encontrou um beija-flor voando em direção às chamas com água em seu bico e perguntou-lhe – o que você está fazendo beija-flor? Ele respondeu – a minha parte. Eu continuo o conto: Minutos depois, como era de se esperar, um segundo beija-flor encontrou o primeiro carbonizado e pensou – que idiota. Usando de sua habilidade para falar, coisa que só as fábulas dão aos beija-flores, aproximou-se dos elefantes e os convenceu a montar uma brigada. Organizou vários animais e liderou o levante contra o fogo. Em seu pequeno bico, não cabia água suficiente, mas sobrava inteligência. Em sua alma, não cabia Kant, mas transbordava Homero. O leão espalhou a história do primeiro beija-flor, e ela chegou até nós, mas devemos as nossas vidas ao segundo, um líder poderoso e sábio.

A despeito dos imperativos religiosos, kantianos e congêneres, na natureza não há dever. Quem cumpre cegamente um dever, é queimado sem piedade nem dó. Quem cria seus deveres, vê além, constrói a sua realidade não com a chatice da ordem, mas com a sagacidade da inteligência, esse domina a natureza.

É incrível nosso atraso intelectual, as massas maravilharam-se com a história original contada na televisão!

Será coincidência, no conto original, que o beija-flor tente apagar exatamente o que Prometeu nos deu?

Retorno ao Olimpo

Nietzsche dizia que o cristianismo, repleto da cultura de buscar a verdade, traz a semente de sua própria destruição: cedo ou tarde vão-lhe descobrir do pano da farsa. Os gregos transformavam a verdade que não podiam conhecer em homens, aplacando a sede das suas mentes sedentas de verdades. O monoteísmo tornou estas verdades abstratas, intangíveis, os muçulmanos sequer podem desenhar um homem. A sede implacável não tem mais onde beber – o monoteísmo é mesmo a semente de sua destruição. Pior, o que farão os monoteístas quando descobrirem que sequer existe uma verdade?

03/02/2008

Intelectuais II

Por que preferimos ouvir quem não tem nada a dizer em lugar de intelectuais? Por que as ditas “ciências” humanas apagam-se? Onde está a voz dos filósofos? O intelecto foi ultrapassado pelo vazio pós-moderno, mas por que o queremos? Antes de refletir a transição que nos deixa perdidos no escuro moral, nosso gosto deixa claro que o modelo de intelecto das universidades só está ainda contemporâneo nas verdadeiras ciências - as exatas e biológicas. As verdades construídas, e não menos profundamente verdadeiras, das inadequadamente chamadas “ciências” humanas e congêneres, já não ressoam fora da academia, como a imbricada teia dogmática teológica pouco ressoa fora dos mosteiros. Por quê? A universidade é um modelo anacrônico, é um pequeno estado intelectualmente livre dentro do estado - vejam sua hierarquia, sua padronização, sua estagnação – em tudo ela o copia.

O que decai é o estado moderno. É ele que beira a reinvenção. Seu modelo intelectual vai junto.

Ps – por isso os doutores amam tanto Gramsci. Ele lhes dá o que já não têm mais – poder - como se a educação formal forjasse uma elite a conduzir à grande revolução. O italiano é o primeiro sintoma da fraqueza – tentam construir uma teia ilusória de poder dentro de seu próprio ninho. O tempo vai deixá-los presos nela ou, antes, escapam na reinvenção ao lado do estado.
É mais provável que, no futuro, encontremos velhos nomes em novos corpos

Arte Conceitual

Arte conceitual é a não-arte. Os conceitos nascem da experiência da vida, da linguagem e não da abstração da crença. A arte é conceituável, pois é experiência, mas ela não é o conceito, muito menos deve nascer de um. Isto é a tentativa de trazer o mundo das idéias para a sombra da caverna, e notem que Platão não era muito chegado em arte. Já se perguntaram por quê? Ele não era chegado no mundo em primeiro lugar, na experiência, no espanto da vida. Existe coisa mais chata que arte conceitual? Por mais estranho que pareça, ela é a rachadura no ideal que a tornou possível. Logo, nos livraremos dela.

26/01/2008

Bella

A beleza óbvia cansa os olhos como moda; quero a beleza misteriosa, sob o corpo, nos entreolhares, a delícia esquiva.

3 X VIPS

1. Você se acha muito importante? Então, que motivos deu para o mundo lembrar-se de você em 100, 200 anos?

2. Os macacos usam ferramentas primitivas, nosso cérebro superior permite inventar ferramentas muito mais complexas que um porrete ou um pega-cupins com galhos e ossos. Quem tem um cachorro esperto, sabe que se rimos dele logo veremos repulsa – não somos os únicos a entender a teia complexa do humor. Muitos mamíferos também sonham – mesmo cérebros primitivos criam símbolos para a realidade. O que nos faz homens é a eficiência com que fazemos tudo? Não. Somos os únicos a pintar as paredes das cavernas, e isso nem os neandertais faziam, talvez aí tenham desaparecido no tempo. Pintar foi a forma do homem começar a criar seu próprio mundo – somos o animal que cria! E é por isso que nossas ferramentas vão à lua e nosso humor aos cachorros. Quem é importante senão o homem que é verdadeiramente aquilo que somos, o Criador?

3. O homem importante é o herói – aquele que vence Kronos (o tempo), mas também Mnemosyne (a memória).

Estados Anacrônicos

É razoavelmente simples saber em torno do que gira uma sociedade, uma cultura, a vida dos homens – basta olhar para suas maiores construções. Os egípcios viviam para a hierarquia social na vida e no além, os romanos para a guerra e sua teatralização, os gregos para si mesmos, os medievais para a religião e feudos, os modernos para a nobreza, o estado. Nós vivemos para as riquezas privadas. Quem valorizamos? Aqueles a quem concedemos as maiores riquezas: os negociantes e o fluxo das riquezas, as modelos e seu martírio carnal para adequar o corpo a um molde, os famosos e o prazer de nos identificarmos vendo-os humanamente escorregar nesses moldes.

Vejam o Brasil. Quem ganha bem por aqui? A burocracia estatal. Mas a era dos Estados não ficou com os modernos?

São

Às vezes é necessário correr para os braços da loucura
como último ato de sanidade.

Cinevida

A luz que me banha
e o mar de som,
o mundo em volta de mim
na tela plana
onde
curtamente vivo.
A população mundial lá fora,
a dor real
e o gosto do amor
em anestesia.
Aqui, o tiro,
a trama,
o tempo preguiçoso
e o sangue sobre-humano
me atingem no peito,
e eu sinto a dor fingida,
que é dor ainda.
A menina comum,
no meio da sala,
deixa escapar o significado daquele diálogo complicado,
mas isso não importa,
a história segue sem ela
e todos chegamos ao final.
Aqueles retalhos se subseguem,
fazem um sentido maiorque ninguém tem um que sirva para todos.

23/01/2008

Holocausto - Olhos Seletivos

Os campos de concentração nazistas ressoam muito mais em nossas memórias que os extermínios do presente. Por quê? Os campos eram o exagero da sociedade em que vivemos - escravos que viviam para o trabalho desumanamente mecânico, líderes que não sentiam qualquer empatia por seu sofrimento, uma estrutura cega aos potenciais individuais, a massificação da morte e sua anestesia. Poderiam ser os gulags soviéticos, não fosse o lobby de quem hoje é parte poderosa do convívio ocidental. Os extermínios hoje são de alienígenas aos olhos cosmopolitas, desculpadamente abstendo-nos da empatia e da desacomodação, e também não são nossa estrutura extrema: são difusos, interiores, circunstanciais, caóticos. Não vivemos em caos, somos uma estrutura bem organizada em prol da produção, da anestesia e da morte em vida -de não se sentir vivo-, pois vive quem sente que a morte lhe espreita e esquiva-se dela em cada ato de vida. O caos não é a estrutura, é o que dela resulta – nós. Os extermínios hoje são duplamente estranhos aos nossos olhos – dão-se numa sociedade que não é a nossa e contra quem não vemos como iguais. Até que ponto não somos escravos do trabalho? Até onde nossa passividade aos extermínios em massa de hoje não nos identifica aos nazistas? O holocausto é nosso espelho convexo, onde atingimos nossos extremos, por isso é tão fascinante e horrível.

Intelectuais I

Quem se ouve? Na Idade Média, os clérigos, na modernidade, nobreza e reis. Hoje, aos que são ouvidos lhes falta, ou aparenta faltar, uma qualidade: o intelecto. Já no final do século XX, a classe intelectual obscureceu nos guetos acadêmicos. Chega a ter seu apelo um certo ar rústico, boçal, sem refinamento intelectual – basta olhar para líderes políticos desta época. Ao contrário do que pensam os doutores, não foi só a bestialização de massa que os relegou às margens do poder da voz, mas a própria inadequação do intelecto às questões atuais.

Os mosteiros decaíram para dar lugar às universidades. Hoje, o que decai são as universidades. Qual será o modelo de intelecto para o futuro, doutor?

18/01/2008

Arte II

A arte é a estampa da construção da verdade, são os espelhos onde transformamos as coisas em objeto, mas que, antes de refletir as coisas, reflete nós mesmos. Arte é o local onde construímos o mundo que vemos, que se torna o nosso. Toda arte é metáfora do objeto. O Adão de Michelangelo está em igualdade a Deus, que todo esticado em seta aponta Adão, com esforço tentando tocar o homem. Adão displicentemente oferece a mão em posição para ser beijada. Ali está o renascimento, e o homem de seu tempo sentia isso ao ver o teto da capela. Boa parte da chamada arte moderna não tem meta fora do objeto para delimita-lo, para vê-lo, em vez disso ela foge desesperadamente do objeto tentando construir a metáfora da metáfora da metáfora. Por isso precisamos de explicações cada vez mais complicadas para entendê-la, quando deveríamos sentir o espanto ao ver o espelho de nosso mundo. Não se trata de a obra multiplicar significantes, transcendendo o que conscientemente seu autor pretendia, pois ele ali reflete também seu fundo, mas sim de encontrar uma resposta aleatória na roda da fortuna do discurso.

O que diz um prego em uma parede, fitas plásticas penduradas no teto ou um borrão em uma tela? Diz que não temos realmente nada a dizer. Esta arte gosta de dizer-se na periferia, mas em verdade ela é o centro, e a arte verdadeiramente pós-moderna está onde não se considera que haja uma.

Cavalo de Tróia

Os Deuses de Homero, se existiu um Homero e uma Ilíada final, são o homem. Eles estão ao seu lado, sussurrando nos seus ouvidos, são aquilo que brota de nosso fundo, a batalha de paixões, instintos, medos, idéias por onde emerge a consciência. Os Deuses são as máscaras de nós mesmos, da multiplicidade que somos cada um. Para os estrangeiros, aqueles que se fecham detrás das maiores muralhas da antiguidade em vez de aventurar-se mundo afora, aqueles que acreditam nas entidades reais exteriores ao homem, que crêem em um presente real, tangível, só resta a destruição. Dentro do tangível só pode haver uma coisa: homens, e são eles que trazem a destruição dessa sociedade enclausurada na crença de Deuses factuais. Tróia caiu porque era exatamente aquilo que os gregos não queriam tornar-se, seu inimigo interior que, metaforicamente, tinha que estar tão longe.

A Tróia de Homero ressoa por milênios porque toca no mais angustiante medo e profundo anseio que temos – tornarmo-nos iguais aos Deuses. A Tróia factual, dessa só resta pó e cacos.

Belo-estar

Beleza é hábito. Com o tempo, uma pessoa feia já não nos parece tão feia, e a deslumbrante decai para bonita – acostumamo-nos com a plástica das coisas. Certos padrões universais parecem ser verdadeiros e devem ter uma razão profunda no inconsciente primitivo, o resto é costume. Leve Miró para um asteca, e ele achará odioso, mas traga o asteca para nosso tempo, deixo-o escutar as opiniões dos outros, deixe-o integrar-se à nossa cultura, e algumas manchas coloridas lhe parecerão a quintessência do belo. A grande pergunta é: o que queremos sentir como belo? Ou deveria dizer: que tipo de homem, que sociedade queremos?

13/01/2008

Janelas

Atrás da janela
há um homem vendo por ela
a constelação de janelas,
e atrás delas,
homens são vistos
e vêem
atentos
os cem tempos na cidade,
nos carros,
nas salas e nas cozinhas,
na lentidão da cama,
e o único tempo da solidão.

Quem ama
sempre dá mais do que recebe,
mas amamos,
sobretudo,
mais a nós mesmos
até minguar em desejo
e ausência.

Neste deserto urbano,
um corpo aspira a sensação de ser único,
vagando entre espelhos quebrados.

Parece que é tudo impossível,
como o sopro de segundo
em que acredito,
no fundo da alma,
que existe uma alma,
e que existe um eu
dentro do eu que sei,
e que já acostumei a viver
cedendo nas circunstâncias
até o limite.

Nada absolutamente é,
tudo é vejo,
e o que sei
está detrás de seis metros quadrados da janela do meu quarto
que se abre para o mundo
e me fecha,
em clausura,
nas suas cúbicas paredes.

Uma Guerra, Um Século

O século XX foi uma única Grande Guerra contra o estado renascentista. Na Primeira, caíram os impérios, na Segunda, os regimes estatais e na Terceira a última mão-de-ferro do estado moderno. À parte o poder atômico, a derrocada do estado-forte-socialista foi suave porque não poderia ser a força estatal do aparelho bélico que o venceria, mas só o conceito que o suplanta no andar histórico: o fluxo – e o mais visível deles, o das riquezas. A URSS faliu. Culturas acostumadas à centralização e à burocracia, como a Chinesa e a Russa, causam estranheza dando muita força aos estados, mas é exatamente o fluxo que vai superá-lo cedo ou tarde. É essa a nova história que proponho: detrás de bombas e máquinas, o estado moderno está sendo subjugado pelo fluxo porque ele representa a estagnação do poder, do saber, das riquezas.

Vivemos o começo da era da pulverização: o estado pós-moderno vai reinventar-se, a sociedade vai fragmentar-se em núcleos de poder mais ativos, a política central será a mediação da prevalência local, o mundo serão aldeias conectadas pelo fluxo.

Um sintoma: começamos no tradicional embate de tropas estatais e desmantelamos para a guerrilha e inteligência. Não é à toa que os Estados Unidos, com todo o poder bélico, são tão ineficientes em vencê-las.

O sintoma precoce: a Revolução Francesa. Lá, o poder ainda era concentrado, mas o mérito começou a sobrepujar o berço – Napoleão, um plebeu.

E para onde o estado-Brasil caminha? O que pregam nossa política, nosso Direito, nossas instituições? Somos o caranguejo histórico.

Imagem

Onde está o dia que não vivi?
Na memória,
na esperança,
nos dias secos que me tocam a pele?
O barco que não velejou,
o Sol ausente
no mar que só espelhou o céu infinito
e as estrelas implícitas que esperavam a noite.

Não era só isso,
nem só lirismo.
Era meu filho que de mim nasceu em um novo eu,
um pingo de tensão
como o inseto preso sob o copo
desesperadamente tocando a eterna imagem
do mundo.

Na Maioria das Vezes

Nossa vida é tão umbilicalmente ligada ao dinheiro que precisamos pagar um psicólogo para garantir um tempo de reflexão sobre a vida, e conclusões que, na maioria das vezes, chegaríamos por nós mesmos se refletir fosse um hábito na nossa cultura. Pagamos alguém para nos obrigar ao que nos é estranho e uma das poucas coisas que não nos é estranha são as riquezas (produzir e gastar: o fluxo dos dinheiros). Os gregos não precisavam de personal trainers: o exercício era a cultura do corpo. Hoje, é sua maquiagem. Na maioria das vezes.

02/01/2008

N o i t e a m a r

Vem a noite com toda a sua trégua,
na solidez mórbida do concreto,
no acalanto da brisa fria
e da luz escassa
aquietando os pensamentos
e despertando desejos,
porque amar
é feminino.

Geração

Então é isso ex-companheiro,
acabou o emprego,
você terminou os estudos...
Os sonhos,
a mulher,
o carro e
apartamento
secam sobre o chão quente do seu dia,
e o calor te sufoca na rotina.

Os uniformes te comprimem
e adequam o corpo
ao que antes via bizarro -
você é um alienígena do seu passado,

e ainda não se decidiu entre a rendição
e a luta implícita,
como se houvesse uma escolha,
mas a ilusão te dá forças
para mendigar as horas.

Nem da cadência velha você consegue se livrar,
que dirá de um emprego,
que dirá da vida mesquinha,
eletrônica.

Seus passos errantes,
sua tentativa de verbo
são ilusões sarcásticas
de um espelho irrefletido
de sua própria farsa.

Arte

A arte dos últimos séculos foi o artesanato da desconstrução. As epopéias saíram do mundo, de onde se viajava para dentro do homem, para vagar no próprio homem de onde ele vê o mundo. Ulisses virou Josef K, Édipo, Ródion e Quixote, Casmurro. Sem as bússolas, somente a insignificância de uma barata poderia penetrar nos subterrâneos do homem, e vivemos encolhidos, à espreita do mundo, dominados pelo pavor do movimento que nos faz correr para qualquer abrigo escuro e úmido.

O capítulo último dessa entronização é o desmantelamento da técnica, daquilo que construímos com base no mundo e para sua viagem por ele. Por isso não foi difícil de Renoir chegarmos a Pollock, de Kafka ao dadaísmo, não é à toa que a bagunça pictórica de Picasso e Miró caem como uma luva nos gostos populares. Todas as explicações metafísicas sobre essas artes podem descer pelo penico de Duchamp: sem Deus ou o Homem e seu mundo para guiar a arte, as tautologias pseudo-intelectuais se perdem no vazio que nos tornamos, rastejando pelas percepções sagazes de Kafka.

Arte é, sobretudo, sentir, experimentar. Se precisamos de explicações, se nos deleitamos com elas, a arte se perdeu em algum lugar entre as ciências e a teologia.

O que proponho para a arte? Não menos do que proponho para a humanidade – a técnica invisível. Já deu tempo suficiente para perceber que ausência de técnica é escravidão aos limites e não liberdade. Técnica é meio, e não fim, para a viagem pelo mundo que construímos - o mundo de arte - de onde brota o mundo de nossos pés. Pelas periferias, ilustradores já reintroduzem a técnica daquilo que, no futuro, os “intelectuais” tardiamente chamarão de arte.

Na Noite do Meu Corpo

De noite posso cheirar a terra úmida
impregnada no ar,
a grama cortada
e o rio que vai se anunciando entre pedras,
a agonia aguda dos insetos de vida curta,
o amanhã que virá,
haja o que houver;
de noite,
embebido nas ilusões do sono,
minha casa está em mim
e todo o resto é intangível.

De noite, quase esqueço do tedioso homorrítimo do relógio digital
programado para me acordar ao seu fim,
e embalo na noite do meu corpo.

Retorno ao Novo: A Simplificação Causal

Dizem que tudo carrega a semente de sua destruição. A concentração de poder no renascimento, desfragmentando a Europa, foi possível por conta do fluxo das riquezas, que necessitava de um comando geral e propiciava a acumulação em poucas mãos. O fluxo das riquezas estimulou a idéia do fluxo das pessoas, dos saberes e dos poderes. O estado concentra pessoas em um território e monopoliza saberes e poder. Agora, o fluxo começa a destruir o estado. Renasce uma nova fragmentação, mas dessa vez banhada pelos fluxos.

Sem igrejas e com estados decadentes, perdemos os valores que guiavam a vida, por isso nos apegamos ao que nos tornou o que somos, ao mais tangível, à base do que conhecemos: o fluxo das riquezas.

Com sorte, no futuro, nos concentraremos noutros fluxos.

Tragédia

Eu aqui,
deitado com as pernas pro alto,
sei da fome do mundo,
das mortes,
do desejo de que a vida seja mais que comida e sono,
da angústia sob a mira das armas,
mas não me dou conta de nada disso –
tudo passa etéreo como a impressão do sonho que se esqueceu.

O que sou são minhas pernas
no alto da almofada
sobre a cama,
onde recosto a cabeça
na paz do meu presente desculpado.

O mundo é uma parte de mim
onde vagam os pensamentos sobre aquilo que nunca vivi,
mas ouço existir.

Que culpa tenho se a vida insiste em transbordar minha almofada?
Essa é a verdadeira tragédia.

Miséria e Compaixão

Quando se vê um miserável em sofrimento, e sofre-se junto com ele a dor da miséria, o que sentimos? Nada de bom, deprimimo-nos. Essa é a compaixão. Querê-lo longe da pobreza, em bonança e excesso, é o que faz quem quer homens fortes como amigos, vizinhos e até inimigos, e o faz menos por altruísmo que por individualismo. Ter vizinhos pobres é sinônimo de problema, de um espírito covarde incapaz de lutar com inimigos a altura, de alguém que não produz nada que possa engrandecer a vida de quem não seja miserável. Os europeus, depois de duas guerras, bem sabem disso e trataram de tirar Portugal da mendicância. Em países favelizados como o Brasil, ainda não aprendemos essa lição.

Mas a compaixão não tem nada a ver com essa força que eleva o espírito do homem e do seu coletivo, ela é antes o eufemismo de rir da desgraça alheia travestido de sofisticada superioridade de sentimentos. É isso que vemos em filmes “alternativos” sobre a pobreza, caridades sociais - alguém acha que meia dúzia de alimentos vai mudar a realidade da miséria?

O grande homem cria meios para conviver com pares, o compaixonado, mesmo sem o saber, cria os meios de perpetuar a miséria, e o faz para sentir-se bem, expurgando a culpa da riqueza material na percepção de que seus sofrimentos privados são mínimos frente aos da miséria. O grande homem sabe que não há culpa a sentir-se nem compaixão com o sofrimento alheio, o que há são meios concretos para eliminar a miséria do convívio em sociedade.

O compaixonado dá o peixe, escravizando o esfomeado, o homem superior ensina a pescar.

Sempre se acreditou que onde há miséria, brota a compaixão e a solidariedade no homem. Eu inverto essa oração!

Bem dizia Nietzsche: a pior coisa são os mendigos. E como é difícil não sentir compaixão por eles. Talvez por isso ainda tenhamos tantos.

Macchina Humana

Beijos coreografados,
abraços ensaiados,
saliva -
estertora compulsiva.
Mais uma paixão instantânea:
desenfreada busca orgástica
de um
a m o r - m á q u i n a .

Em Si

Há céu para tanta erupção?
Às vezes chove negro em todo o país,
noutras assisto qualquer porcaria na televisão.
E essas coisas pequenas me preocupam,
mas elas nunca me vêem de fora,
são as gírias que empurram para as massas.

Gosto de ver as palavras
e a plástica da melodia,
enquanto a miséria explode em nossos olhos,
e o sorriso implícito por não ter tocado a carne,
ainda...

A cegueira é voluntária,
talvez necessária,
por isso o mundo passa nas eternas tentativas de um dia,
e o retorno desta mesma distonia.
Prefiro escutar aquela música repetitiva
do refrão de chuveiro
e,
de vez em quando,
o ruído de fundo do universo.

O esforço é inútil –
o que simplesmente existe desafia explicações.
Então, para que cadência?
Seja tudo simplesmente –
contemplação de infinito.

Vamos correr desvairando o ar fresco
tisnado de nada.
Olhe o pássaro,
a luz,
espere a lua misteriosamente
pairar sobre sua cabeça
e encha os pulmões
do insensato otimismo das crianças.

Mas passados alguns minutos,
me fragmento em milhões de perguntas,
e a vida pouco se sustenta
nas raras fibras do impulso.

Procuro toda sabedoria em uma sentença,
mas as orações são toadas de velhos bordões sem fé
nem esperteza,
então, vivo em nostalgia
de não sei quando,
nem onde,
e sei que era feliz,
talvez mais que só espontâneo.

E ainda assim,
apesar da impossibilidade de fazer outra coisa,
continuo –
haja eu
para tão pouco de mim.

Humildade e Arrogância

Somente sociedades que sobre-valorizam as riquezas ou estratificadas podem estupidamente pensar na humildade como a resistência ao contato com pessoas de classes diferentes. Humildade é dizer que se pode menos quando se sabe poder mais. O humilde ou é um estrategista das relações sociais ou sucumbiu à crença de que fraqueza é virtude. O arrogante diz que pode mais quando sabe poder menos, e se não for estrategista, é um idiota temeroso das próprias fragilidades. O verbo substantivado “poder” tornou-se pejorativo por conta dos humildes, e os arrogantes sempre travam o fluxo negando o poder em razão de caracteres sociais, que aderem à pele quase como a cor, o que os nivela aos racistas.

Saber sinceramente o que se pode, conhecer seus limites e suas fraquezas com coragem para enfrentá-las, é tarefa do homem superior. A humildade é para os fracos, a arrogância para racistas idiotas.

Imagem

Onde está o dia que não vivi?
Na memória,
na esperança,
nos dias secos que me tocam a pele?
O barco que não velejou,
o Sol ausente
no mar que só espelhou o céu infinito
e as estrelas implícitas que esperavam a noite.

Não era só isso,
nem só lirismo.
Era meu filho que de mim nasceu em um novo eu,
um pingo de tensão
como o inseto preso sob o copo
desesperadamente tocando a eterna imagem
do mundo.

22/12/2007

Santíssima Trindade Bizarra

Mais que precisar matar o homem em seu Deus para adorá-lo, os cristãos transformaram a família em um bizarro triângulo sem mãe, substituída pela figura masculina ou assexuada do espírito santo. Diferente dos gregos pré-decadência, temos muita dificuldade em lidar com símbolos, por isso eles costumam ficar nas entrelinhas, e não é difícil associar a mulher à criação ou à Gaya Terra. Longe das voluptuosas Deusas-Terra dos pré-mesopotâmicos, essa mentalidade posteriormente cristã já começa a despontar antes de Platão, quando, no Édipo de Sófocles, a culpa lhe atinge como um valor supra-terreno, apesar de ele, a vox populi da época, sempre dizer-se inocente – o destino e o flagelo deixaram de ser arte para surfar na física sobre-natural.
Hoje, a vox populi já chama pelo sangue terreno da mãe cristã em Maria Madalena e os best sellers provam que estamos prontos para ele.

Maomé foi casado com uma mulher rica e mais velha, onde está a mulher no Islã? Já nos causa repulsa a repudia ao feminino.

Pelas entrelinhas, os velhos símbolos renascem.

20/12/2007

Paisagem

Era naquela fresta aberta pelo tempo
que transcorria o filete de vida do mundo de fora
pelo pouco de luz
vazando ao buraco
da janela velha,
já caduca.

E porque as duas coisas ocupavam o mesmo lugar,
entrelaçando em um só espaço,
naquela casa começava a rebentar o impossível.
Era a janela reta, imóvel, que
por ser velha,
não era mais janela,
era se desintegrando -
a ruína que o tempo traz.

E a casa ia se desmontando
enquanto o mundo vazava-lhe a janela –
há continente para o mundo que transborda
pelas frestas.

Na poeira suspensa,
o ar tensionava
como a expectativa de que tudo vai se assentar
à espera milimétrica da grande revolução.

Mas isso é só o velho desejo
de corte fino
que provoca,
te iludindo completamente,
o impulso de vida,
e te faz olhar o futuro
com os olhos de hoje,
e então,
tudo é agora.

15/12/2007

Mono e politeísmo

O politeísmo sempre esteve muito mais próximo da natureza do homem que o monoteísmo. Os Deuses são representações das diversas máscaras humanas: raiva, submissão, bonança, vingança, domínio. Já o monoteísmo é a representação simbólica e o instrumento ideológico da concentração de poder, do controle - os papas, os aiatolás, na falta de força terrena, precisam de uma farsa pictórica para justificá-los, como um espelho do outro mundo onde eles se reflitam, por isso no reflexo há só um e não uma multiplicidade. O politeísmo já pode ter servido às forças terrenas, mas nunca as pretendeu dominar e no mais das vezes são seitas múltiplas e esparsas como o candomblé e o hinduísmo, reflexo das multidões no imaginário metafísico.

O budismo é a exceção, há só um reflexo, mas o ideal é politeísta. Isso porque até o seu além serve para direcionar a vida para este mundo.

O fato de a semente do mundo já germinar na mente dos últimos séculos, só vai enfraquecer o monoteísmo, e o número crescente de islamitas é a contra-reação natural a retardar a inevitabilidade dessa gestação.

Os próximos séculos vão continuar a ver o esparsamento da religião até a sua desestruturação como instituição para ocupar o devido lugar na liberdade ou estupidez individual. Vamos adorar cada vez mais Deuses, mais fragmentários, até que eles se pulverizem nas singularidades de cada homem e, por fim, só restará Ele, o homem.

Encontra-se

Já deveria saber que nestas horas não há nada o que se dizer para si mesmo. Quando a noite revela as angústias acalentadas pela euforia do dia e aquela pessoa verdadeiramente escondida sob tantas se prostra pasma diante dos meus olhos de espelho. É neste instante que a solidão me esmurra contra a parede, sombreando a fome do mundo, os genocídios, a miséria –
onde estão?
Nem o desejo da arte e da carne me distraem de mim, e esse encontro é tão inebriante quanto o verão esmerilando em Sol a pino.

10/12/2007

Três Pensamentos Sobre a Lógica

1.

Aluno: o que é a lógica?

Professor: Se A é B e B é C, logo A é C. O resto são desdobramentos.

Aluno: Ora, se A é C, então por que A é A em primeiro lugar?


2.

A lógica é a preguiça do pensamento. Nela, tudo se resume a achar igualdades sob a lente da distância, mas quando chegamos bem perto do mundo, das coisas, nada é realmente igual, por isso é tão difícil entender os átomos e coisas menores: paradigmas inadequados. Platão era um preguiçoso para o mundo, preferia relaxar a mente no além, e o bocejo inicial fecundou no solo fértil da decadência grega e do monoteísmo metafísico medieval. Nietzsche dizia que achar igualdades talvez fosse uma vantagem evolucionária em nosso cérebro selvagem, hoje vejo que é pura preguiça sob o véu do rigor científico.

Veja: distância e proximidade são visões possíveis e, por vezes, contraditórias, mas atenção, já é hora de nos reaproximarmos das coisas – bem-vindo ao mundo!


3.

Quer fazer um avião voar? Use a gravitação de Newton.
Quer entender as estrelas? Use a gravidade relativa de Einstein.
Precisa de igualdades? Use a lógica
Precisa de diferenças? Uso qual ferramenta?

Awaking

As morning shines,
sun lies betwen times,
inside my eyes,
visions rise
in powder divisions.
Sleeping thoughts awake my body
in his endless night,
sleepering me into my life.

Desenlace

A noite invade as brechas do espírito
e vai arrancando as cascas bem devagar,
desbotando um prazer leviano.
Cinco mil lembranças vão emergir,
e só duas ou três vão marcar minha retina
a reluzir no amanhecer.

05/12/2007

Nobreza

Rir da nobreza é a seta que aponta seu declínio. Os bobos-da-corte tiveram seu auge já na decadência da idade média porque o riso mostra quão frágeis estão os valores que sustentam a classe. Rir é o descompasso entre o que percebemos e o que sentimos. Porém demorou 4 séculos até que de pequenas ascensões burguesas rebentasse Napoleão – o primeiro plebeu que se fez nobre – não sem uma violenta reação contrária. Hoje já é comum à plebe ascender à nobreza, meio milênio depois dos coringas. Mas lhes pergunto: já não estamos rindo da nossa nobreza?

Em um milênio, algum historiador olhará nossos jornais e televisão dando uma boa risada.

30/11/2007

Viver é Verbo...

Nos dias da rotina,
de pilhas de papéis e tarefas repetitivas,
o que até uma máquina faria,
mas não há máquinas para elas,
nesses dias de todos,
dias de trabalho,
da recompensa pelo bom comportamento,
que te dá o pão-de-todo-dia,
no cálculo da vivência
que te come a felicidade nos detalhes,
no cômputo das decisões que não se pode tomar
e dos sonhos enferrujados,
no desejo recalcado
que espreita tímido,
nas frestas por onde vive
o Serurbano.

Sarcasmo e Cinismo

Sarcasmo é superar o que não se suporta mais com humor. O riso sarcástico desnuda toda a fragilidade odiosa porque quem ri descarna seu corpo da permanência para recompô-lo em novos valores, nova vida. Já o cinismo é ressentimento contra aquilo quando ainda se está preso nele, e não o desprendimento da compaixão como séculos de cristianismo fizeram crer. Afinal, quem encoleira o cachorro é o homem, e quem gosta delas tem patas. O riso é nossa mola, mas cuidado, há hienas sarcásticas.

Aquela história de que Alexandre seria Diógenes se não fosse O Grande é invenção das hienas cristãs!

Escola e Educação

Escola vem de lazer – skhole em grego. O que temos definitivamente não são escolas!

Já educar vem do latim ex ducere – conduzir para fora -, quando as escolas preocupam-se mais em enfiar protoconhecimento nas cabeças dos alunos.

Hoje não temos escolas nem educação! Nem mesmo onde temos.

29/11/2007

Reflexos

Um sentimento áspero me toca a pele.
No espelho dos seus olhos,
refleti minhas frustrações
e o seu corpo me enlaçando em um abraço de medusa.

As memórias se deixam perder
ao inspiro do momento
e talvez por isso tenha sido tão relapso em te perceber
desnuda sobre mim,
aberta de rebento,
em insípida indiferença deflorada.

Metalíngua

Só:
a companhia de duas letras
no isolamento tácito
de um uníssono stacatto.

Máscaras

No espaço entre os acontecimentos,
no meio tempo das tristezas
e das felicidades,
quando desejo o cotidiano tão repetitivo,
eu existo.

Existo e vivo,
Eu me sei -
não porque gasto a vida preenchendo o dia de pequenas ocupações,
prorrogando a morte inevitável,
mas porque sou inexoravelmente só o que sou;
sem máscaras;
sem expectativas.

Pirataria: o Autismo Proposital


Com um certo ar romântico, não poderiam escolher um nome melhor para as cópias não autorizadas de música, filmes e seja lá o que se pretenda duplicar, muito embora, se fôssemos brasileiros do séc.XVIII, não acharíamos nada de romântico nos piratas.

Com o estandarte de artistas famosos e encabeçada pelos executivos de grandes empresas, vemos muita campanha contra a pirataria. Por que então, apesar da concordância politicamente correta ou, sem eufemismos, hipócrita, de que copiar é errado, persistimos, com pouco ou nenhuma culpa, a comprar e partilhar piratas?

Existem dois Brasis e duas piratarias bem distintas: dos incluídos e dos excluídos digitais. A última é tão simplória que me causa calafrios ter que explicá-la.

Quem não tem acesso fácil à internet compra seus cd´s e dvd´s em camelôs. Eles dividem-se naqueles que tem alguma condição financeira e outros de situação mais precária, a grande maioria.

Para quem ganha R$1.300,00 reais por mês, ou até mais, tendo que manter casa, pagar imposto, educar os filhos e não sobra para saúde particular, é tudo muito simples – ele simplesmente não pode pagar R$30 reais em um cd ou R$50 em um dvd. Há duas opções: ou ele só ouve rádio e assiste a filmes da tv aberta ou compra pirata.

Na primeira opção ele estaria condenado a viver com a pouca liberdade de fluxo de 40 anos atrás, e como não é de bom tom ficar preso ao passado, nem aceitar condenações injustas, não há qualquer culpa a sentir-se por piratear a arte, afinal, ninguém vive só de pasto e água.

Não é uma questão de ser intrinsecamente certo ou errado, é a realidade econômica da desigualdade: ou os preços são acessíveis ou haverá cópias a preços acessíveis, não importa o quanto berrem os artistas para que o coitado classe-média-baixa-brasileira abdique do livro didático de seu filho para ouvir legalmente a melancolia crônica sertaneja e outros commodities sonoros.

O segundo caso, daquele que poderia pagar, mas prefere o preço mais acessível, parece com daqueles que têm acesso à internet – ambos poderiam pagar. É indiscutível que, como o jogo do bicho, há uma aceitação geral, por isso as campanhas de convencimento contrário, mas por quê?

Aqui, a resposta é o que faz jus ao nome. Aqui nos sentimos verdadeiros piratas contra o stabilishment. Aqui a indústria opta por ser autista e convida-lhe ao isolamento para salvar a própria pele enquanto eu lhe convido à realidade.

O que comprávamos 20 anos atrás? Enormes LongPlays de vinil. Há 10 anos? Cd´s espelhados. Ainda queremos os cd´s, com sua limitada capacidade para míseras 15-20 músicas, ocupando espaço com suas caixas desajeitadas e quebradiças, incapazes de acompanhar-nos em uma corrida, um passeio de bicicleta? Não preferimos arquivos mp3 e AVI para carregar em qualquer lugar, qualquer hora, sem ocupar espaço, com centenas, milhares de músicas e vídeos, não quero o meu repertório acompanhando-me no carro, em casa, trabalho e no passeio a céu aberto?

A indústria diz não, porém deixe-me ser claro com as gravadoras e seus porta-vozes – eu NÂO quero comprar um cd e NÃO quero pagar R$ 2 reais por música! Os tempos mudaram e as gravadoras ficaram na pré-história digital.

Como eu, um consumidor, quero impor um preço? E os empregos nos bastidores da fabricação dos cd´s?

Retruco - quanto do preço do cd paga o custo do conteúdo (música, software, etc), e quanto custa o produto palpável (o disquinho espelhado, a impressão, a caixa colorida, os impostos pela sua produção, o custo do ponto de venda e seus impostos, etc)?

Repare - um artista e sua banda vão ao estúdio e gravam uma música. Depois de mixado, o que queremos ouvir está pronto e acabado. Há duas saídas: fabricar, colorir, encaixotar, transportar, anunciar e colocar à venda um objeto concreto ou simplesmente colocar o produto diretamente à venda virtual sem maiores despesas.

Na opção velha, o mercado consumidor está restrito a umas poucas quadras dos pontos de venda, cada um envolvendo custos, tempo e impostos. Na escolha da era digital, o mercado consumidor engloba, virtualmente, todas as quadras urbanizadas do planeta.

Moral: o produto da era digital é infinitamente mais barato e o mercado consumidor milhões de vezes superior ao daquele da época de fluxos mais restritos, em que ainda precisávamos tocar nas coisas para sentir o prazer pueril de tê-las.

Não é à toa que não sentimos nada de errado em piratear esses palpáveis. Sem conseguir verbalizar, favor que lhes faço agora, sabemos que o mercado mudou, o produto é outro, que não queremos mais o comércio de 15 anos atrás. Em nossas mentes velozes, acostumadas ao fluxo incessante de informações e sensações, não cabe mais a idéia de pagar R$ 30 reais em um objeto onde vou encontrar 2 ou 3 músicas que quero ouvir repetidamente e o resto que vou acabar escutando por inércia ou R$ 50 reais em um filme que vou ver 1 ou 2 vezes e sabe-se lá quando de novo.

A indústria é autista a essa realidade?

A maioria dos seus alto-falantes é. Levados pela crença de que precisam da indústria, e de que sua falência os abocanhará, os artistas são a face visível desta luta fadada à gargalhada histórica. Não vêem, talvez por cegueira ou medo de mudar, que uma pequena verba para gravar suas criações e divulgá-las na internet fará com que um baiano, um árabe e um chinês ouçam sua música. Além dos shows, contato insubstituível com a sensibilidade humana, propagandas e patrocínios podem vir juntos sem incomodar o ouvinte, como já vemos todos os dias em milhões de sites grátis na net - idéias não faltam, tenho mil sugestões.

Cadê a indústria e seu aparato de empregados, altos salários e glamour nessa equação?

Aí está a resposta para o seu simulacro autista, todo o seu aparelho legal de proteção, o marketing anti-pirataria e o excesso de noticiários atacando o óbvio – o mercado mudou, junto com ele a grande indústria gravadora de músicas e distribuidora de filmes tornou-se obsoleta e, com ela, toda a mão-de-obra que emprega. Os movimentos anti-fluxo, pró-palpáveis, são o último suspiro a render mais alguns minutos de vida às grandes organizações deste mercado.

Não é desumano desempregar toda essa gente? Não mais que desempregar tecelões com a criação da máquina de tear – essa discussão é do início da industrialização. A capacidade de adaptar-se rapidamente é o preço do mundo moderno pelo domínio da natureza – quem não quiser pagá-lo, diz o mundo, que se isole no meio do mato.

No Brasil, as contradições são tão arraigadas na cultura que a mentalidade da população já está na era digital, mas suas mãos não. O melodramático sertaneja, o ordinário trabalhador urbano classe-média-baixa, inseridos na contemporaneidade pela comunicação de massa, ainda não podem baixar produtos na net e levá-los consigo, porém já não aceitam mais o mercado antigo.

Alguns não podem pagar pelo produto antigo, outros podem e já não os aceitam mais e outros são ambos. Em parte, essa complexidade explica a resistência à pirataria no Brasil, mas somente na parte mais velhaca.

O que fazer então? A única resposta segura é que, como os celulares, antes produtos das elites urbanas, a virtualização da vida vai, mais cedo ou mais tarde, alcançar o mato, favelas, subúrbios e os vovôs da tecnologia.

É questão de tempo para que todos os telefones sejam móveis, as músicas, filmes e tudo mais que se carregue em pequenos aparelhos flua livremente pelos espaços exatamente por não ocupá-lo realmente.

A pirataria física, uma contradição em si, é mais o rebento da desigualdade entre as mentalidades e as possibilidades materiais. Já a pirataria digital é a contemporaneidade esgueirando-se entre interesses de mercado rumo ao fim inevitável de encerrá-los no passado junto aos LP´s, são as próprias leis do capital, da oferta e procura em termos crus, atuando contra o poderio daqueles que sempre as pregaram, são as regras do sistema utilizadas contra ele mesmo. Como piratas, não temos remorso de emboscar o sistema pelas frestas, utilizar suas armas, em nossas mentes, somos donos da liberdade de fluxo.

O fenômeno como um todo é uma receita mais profunda - a cópia de marcas, por exemplo, é a irremediável necessidade de consumo temperada com a falta de legitimidade do acesso restrito, tudo remexido na era dos fluxos. Mas chega por hoje, só dei uma resposta à indústria fonográfica por agora, e até agora.

26/11/2007

Exílio

Quando chega a hora do degredo,
meu corpo é meu exílio,
e não espero calor humano;
um sorriso espontâneo
de garoto me recebe –
ele sabe que felicidade não se embrulha para presente.

23/11/2007

Mutation

Swift shifts.
Shifts are swift.
So fast
we can´t resist.

Torpor

Menina bonita dos campos de papoula
me plante,
me regue,
e me colha.

Me leve como o pólen que pontilha o espaço
na dança frenética
ao fecundar dos machos.

Me feche hermético num plano de felicidade
que não se tem há séculos
e está longe das trindades.

Seja o instante tudo que tenho e tive
e a rima da forma
o que me exprime.

Que música soe constante nos meus ouvidos
para aplacar a dor
dos meus insanos gritos.

Seja além de minha tumba,
minha cruz,
que hoje se morre para viver
entre a penumbra e a luz.